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Em Castro Laboreiro temos cafés geograficamente centrais mas nenhum patronimicamente "Central". Nas mesas dos nossos cafés geramos conversas, batotices e estados futebolísticos, geramos mitos e chistes, mas também geramos crenças em futuros despovoados. Futuros como os nossos caminhos, as nossas eiras, os nossos montes e os nossos estendais. Despovoados.
É também nas mesas dos cafés que Castro Laboreiro tenta reinventar-se, principalmente com o turismo, com os "de lá de baixo" e com os galegos, com todos aqueles que tantas vezes gostariam de encontrar aqui, para além da natureza arrebatadora, aquilo que muitos de cá preferiram esquecer e perder - a cultura portuguesa nem sempre foi o guardador das diferenças que agora urge abraçar, reabilitar e assumir como nossas. Essa "cultura" e muitos dos seus intervenientes foram preconceituosos durante demasiado tempo e nós mesmos, os castrejos, atarefados na adaptação e na assimilação do que é de outros, fomos diluindo cada vez mais a nossa identidade nesse seguro e conforme mar da igualdade cultural. Aprende-se cedo que, na maioria das vezes, ser diferente dos outros não é fácil nem confortável.
Hoje em dia, esta terra raiana é em si mesma um coração que recebe temporariamente, em cíclicas e ritmadas pulsações, muitos que precisam de oxigénio e de descanso e bombeia para as distâncias do Mundo o seu próprio sangue, forte e novo. É assim que, além-mar e além-terra, há castrejos geradores de rendimentos e de sonhos, geradores de saudades e geradores de descendência que volta uma vez por ano às mesas dos cafés onde muitos avós não chegaram a conviver porque estes cafés não são antigos.
Saio do café para um outro gerador de centralidade, aqui neste meu lugar, quando o central se refere àquilo que não é marginal. Sento-me à mesa que a vista me oferece a partir de um dos pontos abertos e desimpedidos. Não é, portanto, marginal todo o território fragoso e monumental que susteve, protegeu mas também alienou um modo de vida e uma forma de ser. Como não foi marginal a vontade de partir para onde o trabalho dava proveito. Partidas que melhoraram as nossas condições de vida e mudaram irrevogavelmente o modo de aqui existirmos. Foram-se os homens e foram-se depois as mulheres, e foi quando as mulheres partiram levando os seus filhos que o futuro castrejo passou a ser, ele sim, marginal.
E quase tudo isto se percebe mirando bem a paisagem e sentindo a inclemência dos climas de maior altitude. Depois, percorrê-la a pé para lhe tomar de perto mais cores e idiossincrasias. Só que é com este mesmo exercício, e à luz do que se viu e se aprendeu noutras paragens, que ainda ouso ter esperança na reinvenção sustentável deste território e na preservação da nossa fala e das nossas memórias.
E assim, à mesa deste "Central" com vista desconcertante, leio a promissora revista Gerador em Castro Laboreiro. Gerador de amor à cultura portuguesa, diz o número um. Faz sentido, mesmo tratando-se do amor.
Castro Laboreiro é cultura portuguesa e precisa mais do que nunca de acreditar na sua permanência, no seu futuro, mesmo quando os dias são de tormenta - não, sobretudo quando os dias são de tormenta.
Este tempo português é o de sair: saem as pessoas, sai a confiança no país, sai o ânimo para o exílio. Mas há os que ficam e os que chegam pela primeira vez. E há os que voltam. Que haja sempre os que, de algum modo, voltam. Todos geradores de vontade de mudar e de, na mudança, gostarmos de ser portugueses.
À espera do próximo número Gerador e entre amores e reflexões.