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"(...) Todos lutavam pela liberdade - assim via pelos jornais, e alegrava-se de que enfim não suportasse mais as injustiças. No jornal de Domingo viu reproduzida a letra de uma canção da Tchecoslováquia. Copiou-a com a letra mais linda de professora que tinha, e deu-a a Ulisses. Chamava-se «Voz longínqua» e era assim:
Baixa e longínqua
É a voz que ouço. De onde vem,
Fraca e vaga?
Aprisiona-me nas palavras,
Custa-me entender
As coisas pelas quais pergunta
Não sei e não sei
Como responder-lhe-ei.
Só o vento sabe,
Só o sol sábio conhece.
Pássaros pensativos,
O amor é belo,
Me insinuam algo.
E o mais
Só o vento sabe,
Só o sol conhece.
Por que, ao longe, erguem-se as rochas,
Por que vem o amor?
As pessoas são indiferentes,
Por que tudo lhes sai bem?
Por que eu não posso mudar o mundo?
Por que não sei beijar?
Não sei e não sei
Talvez um dia compreenda.
Só o vento sabe,
Só o sol sábio conhece.
Pássaros pensativos,
O amor é belo,
Me insinuam algo.
E o mais,
Só o vento sabe,
Só o sol conhece.
A letra da música era de um nome que a encantava com sua estranheza e ela pediu a Ulisses que o pronunciasse o que ele fez com facilidade: Zdenek Rytir. E a música, que ela jamais viria a ouvir, era de Karel Svoboda.
_ É bonito, Loreley, é de uma tristeza bonita e aceita. (...)"
Clarice Lispector, "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres" - edit. Relógio D'Água, 2ªed (Março de 2013).
Do tradutor do Google à busca no tubo, eis-me perante a tal música dos anos sessenta que Lóri nunca chegaria a ouvir:
Resta acrescentar ao rol de nomes estranhos o da cantora, Helena Vondrácková.
"(...) E sabia que era uma feroz entre os ferozes seres humanos, nós, os macacos de nós mesmos. Nunca atingiríamos em nós o ser humano. E quem atingia era com justiça santificado. Porque desistir da ferocidade era um sacrifício. qual fora o apóstolo que dissera de nós: vós sois deuses?
Lembrou-se de uma conversa que tivera com Ulisses e na qual ele como divagava distraído:
_ Deus não é inteligente, compreende, porque Ele é a Inteligência, Ele é o esperma e o óvulo do cosmos que nos inclui. Mas eu queria saber porque você, em vez de chamar Deus, como todo o mundo, chama o Deus?
_ Porque Deus é um substantivo.
_ É a professora primária que está falando.
_ Não, Ele é substantivo como substância. Não existe um único adjectivo para o Deus.
«Vós sois deuses.» Mas éramos deuses com adjectivos."
Clarice Lispector, "Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres" - edit. Relógio D'Água, 2ª ed. (Março 2013).
Imagem googlada de Clarice Lispector.